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Artigo Segunda-feira, 21 de Outubro de 2024, 17:18 - A | A

Segunda-feira, 21 de Outubro de 2024, 17h:18 - A | A

Opinião

A economia do vício

No capitalismo movido a fissura, restrição da liberdade econômica não é sinônimo de autoritarismo; regulação clara é questão de saúde pública.

Por Diogo R. Coutinho, Beatriz Kira e Vitória Oliveira Pesquisadores do Grupo Direito e Políticas Públicas, são, respectivamente, professor da Faculdade de Direito da USP, professora de direito na Universidade de Sussex (Reino Unido) e doutoranda em direito econômico (USP) eles escreveram o seguinte artigo para o Jornal Folha de S. Paulo (site: www.folha.com.br).

Assistimos estarrecidos à explosão das apostas eletrônicas. Como esta Folha noticiou, o Banco Central identificou que entre janeiro e agosto deste ano foram destinados às chamadas bets (casas de apostas eletrônicas) algo entre R$ 18 bilhões e 21 bilhões mensais em pagamentos via Pix. Isso totaliza a alarmante cifra de R$ 166 bilhões.  

Dando-se conta da leniência de Jair Bolsonaro quanto à proliferação desregulada desses agentes, o atual governo federal foi pego de surpresa. As bets viciam apostadores de todas as faixas de renda, mas vulneram sobretudo aqueles de baixa renda que, iludidos pela miragem de ganhos fáceis, tornam-se dolorosamente inadimplentes.  

Essas pessoas são a face mais visível de algo bem maior, de que se fala pouco: a atuação de grupos de indústrias cujos produtos são deliberadamente concebidos para comprometer a capacidade dos indivíduos controlarem seu próprio uso, tornando-os dependentes. Trata-se da economia do vício.  

Cigarros, vapes, bebidas alcoólicas, refrigerantes e bebidas açucaradas, jogos eletrônicos, redes sociais, alimentos ultraprocessados, entre outros, são todos, assim como as apostas, produtos feitos para causar dependência física ou psicológica.  

Açúcar, nicotina, corantes, aromatizantes, emulsificantes e outros aditivos, bem como truques de design nas telas de dispositivos eletrônicos, agravam a compulsão desenfreada e ansiosa por dopamina. O consumo desses produtos, que fazem mal à saúde, gera custos imensos ao sistema de saúde, à sociedade e às famílias, sem falar nos danos psicológicos e emocionais em crianças e adolescentes.  

Quando confrontadas com críticas que defendem uma regulação rigorosa ou a mesmo a proibição, as indústrias que operam esse modelo de capitalismo movido a fissura se valem cinicamente do argumento de que indivíduos são livres e autônomos para tomar decisões que envolvem seu corpo e recursos, razão pela qual o Estado não deve se meter em suas vidas.  

Moradores da periferia são os mais viciados em jogos online  

Também recorrem ao mantra de que a liberdade econômica é sagrada, de modo que sua restrição nesses casos implica uma ação paternalista e intrusiva do Estado. Nada mais falacioso. As pessoas não são capazes de lidar facilmente com o vício; não é uma questão de força de vontade. A restrição da liberdade econômica não é sinônimo de autoritarismo, e o vício e a compulsão consumista são doenças contemporâneas.  

Também se diz que a adição é transmitida geneticamente, o que é igualmente falso. Por isso, produtos que causam dependência devem ser regulados, cada um a seu modo, por meio de uma política pública integrada de alimentação e saúde. Informações sobre sua composição e efeitos, a disciplina de sua publicidade e promoção, condições de oferta, alertas sobre os males que trazem, bem como ferramentas tributárias (impostos seletivos), são parte dessa agenda premente.  

Pesquisadores testam resistência aos alimentos ultraprocessados  

A regulação da economia do vício tampouco se confunde com uma violação do livre-arbítrio. Ao contrário, ela serve —não sem desafios ao longo do caminho— para implementar direitos, proteger indivíduos e fomentar a saúde pública. A regulação das bets deve ser debatida mais amplamente e precisa ser aprimorada antes de entrar em vigor. Não resolve o problema proibir os beneficiários do Bolsa Família de apostar. Não basta derrubar as bets ilegais. O problema é bem mais grave e precisa de soluções de longo prazo.  

O mesmo se pode dizer da necessidade de regular os produtos ultraprocessados, o consumo excessivo de álcool e as plataformas digitais. Nesse cenário, a importante experiência brasileira com o controle do tabaco, que fez com que o contingente de fumantes diminuísse significativamente apesar da resistência e lobby da indústria, traz lições a serem aproveitadas.

Regulamentação de bets no Brasil  

Vale dizer: as táticas de persuasão adotadas por essas diferentes indústrias, dotadas de elevado poder econômico, são parecidas. A perplexidade paralisante quanto à explosão das apostas, assim como a condescendência com a propensão das indústrias do vício em nos tornar dependentes, só faz agravar o drama e a agonia dos inadimplentes e abstinentes.  

TENDÊNCIAS / DEBATES

A Folha de S. Paulo informa que “os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo”.  

Veja a íntegra em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/10/a-economia-do-vicio.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

 

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